TBT da Corrupção: Ministro “amigo do amigo do meu pai” ajuda a enterrar legado da Lava Jato anulando processos de Palocci
Brasil – O Brasil revisitou esta semana um capítulo sombrio de sua história política com a decisão do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), de anular todos os processos da Operação Lava Jato contra o ex-ministro Antonio Palocci, condenado em 2017 por corrupção e lavagem de dinheiro em esquemas envolvendo a Odebrecht e a Petrobras. A medida, anunciada em 19 de fevereiro de 2025, é mais um golpe no legado da maior investigação anticorrupção do país, já fragilizado por sucessivas decisões do STF. Mas o caso reacende memórias de outro evento marcante: a censura imposta à revista Crusoé em 2019, comandada por Alexandre de Moraes, que expôs as tensões entre o Judiciário e a imprensa livre – e agora se conecta, simbolicamente, ao desmonte da Lava Jato.
Em abril de 2019, a Crusoé publicou a reportagem “O amigo do amigo do meu pai”, revelando um documento da delação de Marcelo Odebrecht, da Operação Lava Jato, que apontava Toffoli – então Advogado-Geral da União no governo Lula – como o codinome em e-mails da empreiteira. A matéria detalhava tratativas entre Odebrecht e a AGU sobre hidrelétricas no Rio Madeira, mas não acusava Toffoli de ilegalidades. Mesmo assim, em 15 de abril, Alexandre de Moraes, relator do controverso Inquérito das Fake News, determinou a retirada imediata da reportagem do ar, sob pena de multa diária de R$ 100 mil, e ordenou que a Polícia Federal ouvisse os responsáveis pela publicação em 72 horas. A decisão, classificada como censura por juristas e entidades como a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), foi justificada por Moraes como combate a “fake news” e proteção à honra do STF.
A reação foi imediata. O então ministro Marco Aurélio Mello chamou a ordem de “mordaça”, enquanto Celso de Mello, decano da Corte, emitiu nota pública condenando a medida como um retrocesso democrático. Diante da pressão, Moraes recuou em 18 de abril de 2019, revogando a censura após confirmar a existência do documento nos autos da Lava Jato – mas não sem deixar cicatrizes. O episódio marcou o início de uma escalada de tensões entre o STF e a imprensa, além de evidenciar a sensibilidade do Judiciário a investigações que atingiam suas próprias figuras.
Seis anos depois, o caso Palocci traz à tona ecos de um passado bem recente, mas abafados por medo da repreensão da juristocracia brasileira. Toffoli, agora no centro da decisão que beneficia o ex-ministro petista, baseou-se em precedentes do STF que declararam a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro e irregularidades na força-tarefa da Lava Jato. Em sua decisão, ele acusou Moro e procuradores de “conluio processual” contra Palocci, preservando, no entanto, o acordo de delação que o réu assinou – uma delação que, ironicamente, detalhou R$ 333,59 milhões em supostas propinas a políticos do PT e outros partidos. A anulação, que zera os atos processuais contra Palocci, mas mantém sua colaboração, é vista por críticos como uma manobra para proteger aliados políticos enquanto enterra provas de corrupção sistêmica.
A conexão entre os dois eventos não é apenas simbólica. A censura à Crusoé em 2019 foi interpretada como uma reação do STF à proximidade da Lava Jato com seus próprios membros – Toffoli, citado por Odebrecht, tornou-se um alvo incômodo. Na época, o inquérito conduzido por Moraes foi criticado como inconstitucional por burlar o Ministério Público e concentrar poderes de investigação, acusação e julgamento no Supremo. Hoje, o mesmo padrão de interferência judicial é apontado por opositores da decisão de Toffoli, que veem no STF uma tentativa de reescrever a narrativa da Lava Jato, absolvendo figuras-chave como Palocci, Marcelo Odebrecht e até Lula, beneficiado por decisões anteriores.
Juristas e analistas políticos não hesitam em conectar os pontos. “A censura de 2019 foi o primeiro sinal de que o STF estava disposto a usar seu poder para se blindar e proteger interesses externos”, afirma Homero Marchese, advogado e ex-deputado, em entrevista recente. “A anulação dos processos de Palocci é a consolidação disso: um Judiciário que escolhe quem punir e quem salvar, desmontando o combate à corrupção que um dia ameaçou suas próprias portas.” Já a Procuradoria-Geral da República (PGR), que pode recorrer da decisão, mantém silêncio até o momento, mas sua resistência a medidas similares no passado sugere um embate iminente.
Para os brasileiros, o “TBT da corrupção” é um lembrete amargo. A Lava Jato, que já foi símbolo de esperança contra a impunidade, vê seu legado desmoronar sob o peso de decisões judiciais que podem ser tudo, menos justas. Contudo, como ensinou Edmund Burke, “o povo nunca abandona seus mortos, nem suas esperanças”: a chama da indignação, ainda que vacilante, persiste na memória coletiva. Cabe aos brasileiros, em um futuro que se avizinha, resgatar essa herança de luta e, com paciência, reconstruir uma nação com o que sobrar dela.
Referências Bibliográficas:
The Brazilian Judiciary’s Continued Censorship and the Brussels-Brasilia Effect
‘O amigo do amigo de meu pai’: publicamos a reportagem da Crusoé que o STF censurou
Marco Aurélio chama de ‘mordaça’ censura a sites e espera recuo de Moraes
Ministro do STF censura sites e manda tirar do ar reportagem sobre Tofolli
The ultimate timeline of censorship in Brazil
Alexandre de Moraes revoga a censura aos sites da revista ‘Crusoé’ e de ‘O Antagonista’