Líder do MST propõe enviar militantes brasileiros à Venezuela
Brasil – Em um momento de escalada diplomática entre Washington e Caracas, o líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stédile, lançou uma proposta que ecoa como um chamado às armas – ou, mais precisamente, às enxadas e panelas. Durante o “Congresso Mundial em Defesa da Mãe Terra”, realizado entre 8 e 10 de outubro em Caracas, Stédile defendeu o envio de brigadas de militantes latino-americanos à Venezuela. O objetivo? Apoiar o povo e o governo de Nicolás Maduro em caso de uma hipotética intervenção militar dos Estados Unidos, focando em tarefas essenciais como plantar alimentos, preparar refeições e oferecer suporte logístico aos civis.
A declaração, dada em entrevista à Rádio Brasil de Fato, reflete não apenas a solidariedade ideológica da esquerda continental, mas também uma estratégia pragmática enraizada na expertise agrária do MST. “Não somos militares, mas podemos plantar, cozinhar e apoiar o povo”, enfatizou Stédile, destacando que essas brigadas seriam compostas por ativistas sem treinamento bélico, priorizando a resiliência cotidiana em vez de confrontos armados. O evento em Caracas reuniu delegações de 65 países, transformando a capital venezuelana em um fórum global para a defesa ambiental e social – temas que, para Stédile, estão intrinsecamente ligados à soberania nacional contra interferências externas.
O timing da proposta não poderia ser mais crítico. Apenas dias antes, em 15 de outubro, fontes do governo Trump sinalizaram a possibilidade de envio de tropas americanas à Venezuela, sob o pretexto de combater o narcotráfico. Essa ameaça se soma a autorizações recentes para operações secretas da CIA no país, vistas por críticos como escalada de uma guerra híbrida contra o regime chavista. Maduro, por sua vez, tem acusado os EUA de orquestrarem sanções econômicas e tentativas de golpe, enquanto Trump e aliados como o senador Marco Rubio rotulam ações de resistência regional como “terroristas”. Em meio a esse xadrez geopolítico, a oferta do MST surge como um contraponto humanitário, mas não isento de controvérsias.
No Brasil, a reação é mista. A assessoria do MST confirmou à imprensa que a ideia ainda tramita internamente, sem cronograma definido. “Estamos discutindo como essa colaboração pode ser viável”, disse a nota enviada ao Poder360. Vale lembrar que o movimento já tem laços consolidados com a Venezuela: em 2024, lançou o projeto “Gran Pátria del Sur”, que despachou sem-terra para cultivos agrícolas por lá, ajudando a mitigar a escassez de alimentos agravada por sanções. Para Stédile, essa é uma extensão natural da luta pela reforma agrária, agora projetada para o palco internacional.
Mas o que isso significa para a América Latina? A proposta reacende debates sobre o papel dos movimentos sociais em conflitos assimétricos. De um lado, defensores veem nela um ato de solidariedade anticolonial, ecoando as brigadas internacionais na Espanha dos anos 1930 ou as missões médicas cubanas em crises globais. Do outro, opositores questionam se tal mobilização não flerta com o apoio a um regime autoritário, ignorando violações de direitos humanos e a crise humanitária venezuelana – que já levou milhões de refugiados, incluindo para o Brasil. Especialistas em relações internacionais, como o professor da USP Oliver Stuenkel, alertam que iniciativas unilaterais como essa podem complicar negociações multilaterais, como as mediadas pela ONU ou pelo Grupo de Lima.
Enquanto as discussões prosseguem, o episódio ilustra as fissuras continentais: uma esquerda unida pela retórica da “Mãe Terra” contra o “imperialismo yankee”, mas dividida pela realidade das fronteiras porosas e das migrações forçadas. Stédile, com sua visão utópica de camponeses como guardiões da soberania, nos lembra que, em tempos de crise, as sementes da resistência podem ser plantadas tanto nos campos quanto nas salas de conferências. Resta saber se essas brigadas sairão do papel – ou se ficarão apenas como mais um capítulo na saga de tensões hemisféricas.