PCC movimentou R$ 6 bilhões lavando dinheiro em postos de combustíveis, motéis e lojas franqueadas de O Boticário
Brasil – A força-tarefa entre Ministério Público de São Paulo (MPSP) e Receita Federal revelou nesta quinta-feira (25) que o Primeiro Comando da Capital (PCC) movimentou aproximadamente R$ 6 bilhões em um sofisticado esquema de lavagem de dinheiro envolvendo 267 postos de combustíveis, 98 lojas franqueadas da rede O Boticário, 60 motéis e empreendimentos imobiliários.
O grupo criminoso é apontado como liderado por Flávio Silvério Siqueira, conhecido como “Flavinho”, e utilizava diversos setores da economia formal para dar aparência de legalidade ao dinheiro do tráfico e de outras atividades ilícitas. A operação, batizada de Spare, cumpre 25 mandados de busca e apreensão em cidades como São Paulo, Santo André, Osasco, Barueri, Bertioga e Campos do Jordão.
Segundo o secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, a apuração mostra que o esquema era ainda mais amplo do que se imaginava:
— Na operação de hoje, vimos que a infiltração é mais profunda do que parecia na Carbono Oculto. Eles diversificaram os negócios para dificultar o rastreamento do dinheiro sujo.
Fintech e jogos de azar na engrenagem do esquema
As investigações apontam que o grupo utilizava a fintech BK Bank para movimentar recursos ilícitos, principalmente oriundos de jogos de azar e venda de combustíveis adulterados. A fintech já havia sido alvo da Operação Carbono Oculto, deflagrada em agosto.
O Ministério Público também identificou que a organização se infiltrava em casas de jogos clandestinos. Máquinas de pagamento encontradas nesses locais estavam registradas em nome de postos de combustíveis que repassavam valores diretamente para o BK Bank, reforçando o elo entre os setores.
Defesa nega elo com PCC
A defesa de Flávio Siqueira nega qualquer relação com a facção criminosa. O advogado Marco Antonio Gonçalves afirmou que seu cliente “é empresário do ramo de motéis” e que abandonou o setor de combustíveis após, segundo ele, sofrer tentativas de extorsão por policiais.
— Esse fantasma de que ele tem vínculo com o crime organizado surgiu de perseguições passadas. Flávio não tem poços de combustíveis, apenas motéis. Vamos tomar todas as medidas legais cabíveis, disse Gonçalves.
Lojas de O Boticário também na mira
Outro investigado é Maurício Soares de Oliveira, proprietário de uma rede de lojas franqueadas de O Boticário. Relatórios do Coaf indicam que as franquias movimentavam grandes quantias em espécie, uma prática típica de lavagem de dinheiro. Entre 2020 e 2024, as lojas ligadas ao grupo movimentaram cerca de R$ 1 bilhão, mas emitiram apenas R$ 550 milhões em notas fiscais.
Em nota, o Grupo Boticário declarou que não tem qualquer responsabilidade sobre as atividades ilícitas e reforçou suas políticas de prevenção à lavagem de dinheiro e anticorrupção. A companhia afirmou ainda que colabora integralmente com as autoridades e repudia “qualquer ação ilegal ou que contrarie seus valores e princípios”.
Motéis, imóveis e bens de luxo
No setor de motéis, a investigação apontou o uso de laranjas para mascarar a identidade dos verdadeiros donos. Entre 2020 e 2024, os estabelecimentos movimentaram cerca de R$ 450 milhões, com distribuição de R$ 45 milhões em lucros e dividendos.
Já no setor imobiliário, incorporadoras ligadas ao grupo adquiriram imóveis de alto valor, como um apartamento de R$ 5 milhões em 2023. Também foram identificados bens de luxo como um iate de 23 metros, dois helicópteros, um Lamborghini Urus e terrenos avaliados em mais de R$ 20 milhões. A Receita Federal estima que esses bens representem apenas 10% do patrimônio real dos investigados.
Conexões com lideranças do PCC
Embora nenhum dos alvos seja formalmente batizado pelo PCC, promotores afirmam que havia proximidade entre eles e figuras conhecidas da facção, como Wagner Ferreira da Silva, o “Cabelo Duro”, assassinado no Tatuapé, além de José Carlos Gonçalves, o Alemão, e Rafael Maeda Pires, o Japonês, também mortos em disputas internas do crime organizado.
— Identificamos empresas controladas pelo grupo que recebiam volumes absurdos de depósitos em espécie, valores que provavelmente vieram do crime organizado, disse o promotor Silvio Loubeh, do MP de Santos.
Bens bloqueados
Somadas às ações da Operação Carbono Oculto, as autoridades já bloquearam R$ 7,6 bilhões em bens de 55 investigados. Segundo o subsecretário adjunto da Fazenda, Paulo Ribeiro, o objetivo é também recuperar o dinheiro desviado:
— Os criminosos precisam ser multados e punidos para que o prejuízo ao Estado seja reparado.
A Operação Spare, considerada um desdobramento direto da Carbono Oculto, reforça como o PCC vem expandindo sua presença no setor empresarial formal, lavando bilhões por meio de negócios aparentemente legítimos.