“Foi overdose”: Benício recebeu 15 vezes a dose de adrenalina recomendada, afirma médica da UTI
Manaus – Novos depoimentos colhidos pela Polícia Civil nesta quinta-feira (11) reforçam a gravidade dos erros que cercam a morte do menino Benício Xavier, de 6 anos, ocorrida em 23 de novembro no Hospital Santa Júlia. A coordenadora da UTI pediátrica, Ana Rosa Pedreira Varela, afirmou que a criança recebeu uma dose de adrenalina cerca de 15 vezes maior que a indicada, o que provocou danos severos a órgãos vitais.
Segundo a médica, Benício sofreu uma overdose de adrenalina intravenosa que atingiu tecidos do coração, rins e pulmões, um quadro incompatível com o estado clínico com que ele chegou ao hospital.
“Em adultos de 70 a 100 kg, usamos 1 ml de adrenalina pura em casos de parada cardiorrespiratória. Benício recebeu 3 ml diretamente na veia, mesmo estando consciente, andando e sem sinais de parada”, relatou Ana Rosa.
Criança chegou com tosse seca e suspeita de laringite
O pai da vítima, Bruno Freitas, contou que levou o filho ao hospital por causa de uma tosse seca e suspeita de laringite. Segundo ele, a médica Juliana Brasil Santos prescreveu lavagem nasal, soro, xarope, e três doses de adrenalina intravenosa de 3 ml cada, a cada 30 minutos.
O menino piorou rapidamente e morreu horas depois. A Polícia Civil investiga o caso como homicídio.
UTI sem equipamentos básicos para crianças
O depoimento da médica Alexandra Procópio da Silva, que participou do atendimento na UTI, expôs outro problema grave: a falta de equipamentos infantis essenciais para intubação.
Ela afirmou que não havia máscara laríngea nem bugi, e que a ausência desses itens é informada à chefia, mas a reposição depende da administração do hospital, o que, segundo ela, raramente acontece com rapidez.
“É comum faltar materiais próprios para crianças”, disse. A limitação teria impactado diretamente o socorro prestado a Benício.
Erro assumido e investigação sob pressão
Apontada como suspeita, a médica Juliana admitiu o erro em documento enviado à polícia e em conversas com o médico Enryko Queiroz. A defesa, porém, afirma que ela estava “abalada” e que a confissão ocorreu “no calor do momento”.
A técnica de enfermagem Raiza Bentes, responsável por aplicar a adrenalina, disse ter seguido exatamente o que constava na prescrição: adrenalina intravenosa, sem diluição. Ela também afirmou ter informado a mãe sobre o procedimento antes da aplicação.
Ambas respondem ao inquérito em liberdade, mas apenas Juliana conseguiu habeas corpus preventivo, Raiza, não.
Justiça analisa habeas corpus
O Tribunal de Justiça do Amazonas aguarda informações complementares do delegado Marcelo Martins, que pediu perícia no sistema eletrônico do hospital. A defesa diz que a dose intravenosa teria sido exibida pelo sistema por falha técnica, e não por erro humano.
A decisão deve sair nos próximos dias.
Prescrição escondida para evitar alterações
Um ponto crucial da investigação surgiu nos depoimentos de duas enfermeiras, Francineide Macedo e Tabita Costa, que afirmaram ter escondido a prescrição original da médica.
Segundo elas, havia o temor de que Juliana pudesse alterar o documento após perceber o erro. Elas esconderam a prescrição no bolso do jaleco para garantir que o material chegasse intacto à direção da unidade.
Família cobra respostas
O pai, Bruno, reforçou que o filho chegou ao hospital consciente e caminhando, e que a prescrição de adrenalina intravenosa foi o início da piora abrupta.
“Meu filho não tinha parada cardíaca. Ele estava bem. Como é que aplicam uma dose assim?”, questiona.
A morte de Benício segue sob investigação, mas os depoimentos revelados até agora apontam para uma cadeia de falhas: erro médico, falta de material, ausência de protocolos e uma prescrição que, segundo especialistas, jamais deveria ter sido feita.
O caso se tornou um dos episódios mais graves envolvendo atendimento pediátrico na rede privada do Amazonas nos últimos anos.


