Escândalo: PCC movimentou R$ 5 bilhões de distribuidora que tem contratos com a presidência da República e Ministérios; veja vídeo
Brasil – Uma investigação da Polícia Federal (PF) revelou um esquema bilionário de lavagem de dinheiro operado pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) através da Duvale Distribuidora de Petróleo e Álcool, uma empresa com contratos junto à Presidência da República e diversos Ministérios. Entre 2019 e 2023, a distribuidora movimentou cerca de R$ 5 bilhões, segundo documentos obtidos pela Folha de S.Paulo. Paralelamente, outra distribuidora de combustíveis, a Rede Sol Fuel Distribuidora, também foi alvo de investigações por sua ligação com o PCC, somando R$ 424 milhões em contratos públicos, conforme apurado na Operação Carbono Oculto, conduzida pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP), PF e Receita Federal.
Duvale: a peça central do esquema
Fundada em 1988, a Duvale, registrada em São Paulo, estava inativa e praticamente falida desde 2017, sem qualquer faturamento. Entre 2019 e 2020, a empresa foi adquirida informalmente por Mohamad Hussein Mourad, conhecido como Primo, e Roberto Augusto Leme da Silva, o Beto Louco, ambos ligados ao PCC e alvos de mandados de prisão na Operação Carbono Oculto. A aquisição, que não alterou o quadro societário formal, manteve Celso Leite Soares como sócio de fachada, com 99% das cotas, para encobrir as operações.
Os lucros da Duvale eram divididos entre quatro sócios ocultos: Beto Louco (65%), Primo (15%), Celso Leite Soares (10%) e Daniel Dias Lopes (10%). A partir de 2022, relatórios internos passaram a usar codinomes políticos para despistar as autoridades: Beto Louco era “sr. Bolsonaro”, Primo, “sr. Lula”, Soares, “sr. Ciro”, e Lopes, “sr. Obama”. Esses documentos registraram a distribuição de lucros entre agosto de 2020 e o início de 2023.
A empresa era usada para lavar dinheiro através de transferências milionárias para firmas de fachada, como a ML8 Serviços de Apoio Administrativo, registrada em nome de Miriam Favero Lopes, esposa de Daniel Dias Lopes. A ML8 realizava repasses sem notas fiscais ou registro de serviços, funcionando como canal para distribuição dos lucros. Daniel, que deixou o sistema prisional em 2017 após cumprir pena por tráfico, atuava como procurador da Duvale e elo entre o esquema no Paraná e o PCC em São Paulo. Primo, Beto Louco, Soares e Miriam permanecem foragidos.
Rede Sol: contratos milionários com o governo
Além da Duvale, a Operação Carbono Oculto expôs a Rede Sol Fuel Distribuidora, que abastece veículos e aviões da Presidência da República, Ministérios da Fazenda, Defesa e Saúde, além da Polícia Militar do Rio de Janeiro. A empresa, pertencente ao empresário Valdemar de Bortoli Júnior, alvo da operação, possui 26 contratos públicos ativos, totalizando R$ 424 milhões, com vigências de um a cinco anos. Entre os contratos mais relevantes estão:
– Presidência da República: R$ 3,1 milhões para abastecimento de veículos e residências oficiais.
– PM do Rio de Janeiro: R$ 148 milhões para fornecimento de gasolina comum.
– Comando da Aeronáutica: R$ 154 milhões para querosene de aviação.
– Ministério da Fazenda: R$ 1,31 milhão para fornecimento de combustível.
– Ministério da Saúde: R$ 330 mil para óleo diesel.
Segundo o MP-SP, Bortoli mantém “sólidos vínculos com entidades e indivíduos envolvidos nas fraudes e lavagem de capitais”. A Rede Sol teria sido adquirida pelo fundo Mabruk II por R$ 30 milhões, embora a empresa negue a transação. O fundo é investigado como um dos financiadores das aquisições do PCC no mercado de combustíveis.
Sofisticação e falhas de controle
A escolha de empresas como Duvale e Rede Sol não foi casual. Ambas possuíam histórico no setor de combustíveis, o que conferia legitimidade às movimentações bilionárias e dificultava a detecção de irregularidades. A ausência de alterações formais no quadro societário da Duvale e a falta de comunicação aos órgãos de controle evidenciam a sofisticação do esquema. Já a Rede Sol, com contratos de grande porte, expõe vulnerabilidades na fiscalização de licitações públicas.
A investigação, iniciada no Paraná devido à concentração de empresas suspeitas na região de Curitiba, revelou uma rede multimilionária que se infiltrou no setor de combustíveis e no mercado financeiro. A PF destaca que Primo e Beto Louco possuem longo histórico de fraudes no ramo, enquanto Bortoli é apontado como peça-chave na expansão do PCC no mercado legal.
O caso levanta sérias questões sobre a integridade dos contratos públicos e a eficácia dos mecanismos de controle. A imprensa tentou contato com Celso Leite Soares, sem sucesso. As defesas de Mohamad Hussein Mourad, Roberto Augusto Leme da Silva, Daniel e Miriam Lopes, e Valdemar de Bortoli Júnior não foram localizadas. A PF e o MP-SP continuam rastreando os foragidos e mapeando a rede de empresas envolvidas.
A revelação de codinomes inspirados em figuras políticas e a amplitude dos contratos com o governo adicionam uma camada de gravidade ao escândalo. Enquanto as autoridades buscam desmantelar o esquema, o caso reforça a urgência de maior transparência e rigor na fiscalização de empresas que operam com o poder público, expondo como o crime organizado pode se infiltrar nas estruturas do Estado.