Com mobilização da Virada Feminina e ação do MPAM, policiais que estupraram indígena são presos no Amazonas
Amazonas – Um caso de violência brutal contra uma mulher indígena da etnia Kokama, de 29 anos, chocou o Amazonas e mobilizou a sociedade civil e o Ministério Público do Estado do Amazonas (MPAM) em uma resposta rápida e firme. A vítima, que sofreu estupros coletivos por quatro policiais militares e um guarda municipal durante nove meses de custódia irregular na 53ª Delegacia de Polícia de Santo Antônio do Içá, entre novembro de 2022 e agosto de 2023, finalmente viu os primeiros passos rumo à justiça neste sábado, 26 de julho de 2025. A prisão preventiva de três policiais e do guarda municipal, além do pedido de prisão de outros dois PMs, foi deferida menos de 24 horas após a cobrança pública da Virada Feminina do Amazonas, liderada por Cileide Moussallem, que trouxe o caso à tona com um vídeo viral.
O caso que chocou o Amazonas
A denúncia veio à tona em 25 de julho, por meio de uma matéria publicada pelo portal CM7 Brasil, que revelou com exclusividade os detalhes estarrecedores do caso. A mulher indígena, presa em uma cela masculina sem estrutura adequada, foi submetida a abusos sexuais recorrentes à noite, muitas vezes na presença de outros detentos e de seu bebê recém-nascido, que a acompanhava para ser amamentado. Segundo o relato da vítima ao advogado Dacimar de Souza, após sua transferência para a Cadeia Pública Feminina de Manaus em 28 de agosto de 2023, os abusos incluíam humilhações, tortura e até a administração forçada de bebidas alcoólicas, mesmo durante o resguardo pós-parto. Um laudo pericial do Instituto Médico Legal confirmou indícios de conjunção carnal violenta, mas, até então, as autoridades permaneciam em silêncio, com inquéritos sigilosos e sem ações concretas.
A Procuradoria-Geral do Estado, ao tomar conhecimento do caso por meio de uma ação indenizatória, chegou a oferecer R$ 50 mil como reparação — uma proposta considerada “vergonhosa” pela defesa da vítima, que pede R$ 530 mil, e pela sociedade, que viu na oferta uma tentativa de minimizar a gravidade do crime. A vítima também relatou ameaças sofridas por sua família em Santo Antônio do Içá, onde policiais militares teriam ido à casa de sua mãe para intimidá-la, numa clara tentativa de silenciá-la.
A força da Virada Feminina
A indignação da sociedade ganhou voz por meio de Cileide Moussallem, presidente da Virada Feminina do Amazonas, que, ao tomar conhecimento do caso, gravou um vídeo contundente que viralizou na sexta-feira, 25 de julho. No vídeo, Cileide expressou revolta com a violência institucional e cobrou ação imediata das autoridades:
“Tem coisas que a gente lê e sente o estômago revirar. Esse caso não é só uma denúncia, é um alerta, é um soco na alma de quem ainda tem sensibilidade. […] Uma mulher indígena presa com seu bebê, foi estuprada por meses dentro de uma delegacia em Santo Antônio de Sá. […] Isso não é um descaso, é um crime. É bárbaro, é Estado falhando com quem ele precisa proteger. […] A Virada Feminina não é uma ONG de vitrine, é uma rede de mulheres que age, que se revolta, que cobra pra dizer: chega! […] A gente não vai deixar esse caso ser enterrado em silêncio!”
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A pressão pública gerada pelo vídeo foi determinante para que o MPAM agisse rapidamente. No mesmo dia, a procuradora-geral de Justiça, Leda Mara Nascimento Albuquerque, coordenou uma comitiva que ouviu a vítima na Cadeia Pública Feminina de Manaus. O depoimento, prestado às promotoras Priscila Pini e Lilian Nara, confirmou os abusos, as humilhações e as condições degradantes de custódia. A vítima relatou que os crimes eram cometidos coletivamente, em um ambiente insalubre, sem assistência médica, psicológica ou jurídica, e na presença de seu filho recém-nascido.
O caso chegou a ganhar repercussão nacional:
Resposta do MPAM e prisões
Ainda na sexta-feira, 25 de julho, o MPAM instaurou um Procedimento Investigatório Criminal (PIC) e apresentou pedidos de prisão preventiva contra cinco policiais militares e um guarda municipal, além de requerer o afastamento das funções públicas e a suspensão do porte de armas dos envolvidos. Os pedidos, fundamentados no risco à ordem pública, à integridade da vítima e à instrução penal, foram deferidos pelo juiz Édson Rosas. No sábado, 26 de julho, três policiais e o guarda municipal foram presos em Manaus, Tabatinga e Santo Antônio do Içá. Outros dois PMs, um de férias e outro em missão, devem se entregar nas próximas horas, segundo o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco).
A procuradora-geral Leda Mara Albuquerque destacou a gravidade do caso: “Estamos diante de uma violação extrema dos direitos humanos, praticada por aqueles que tinham o dever de proteger. O MPAM seguirá atuando com firmeza para garantir justiça à vítima, proteção à sua família e a punição de todos os culpados.” O processo tramita em segredo de Justiça para proteger a vítima e garantir a integridade das investigações.
Um grito por justiça
O caso expõe não apenas a violência sofrida por uma mulher indígena, mas também o abandono estrutural das delegacias no interior do Amazonas, especialmente para mulheres presas. A ausência de celas adequadas, a convivência com presos masculinos e a falta de assistência básica refletem um colapso institucional que vitima, sobretudo, as populações mais vulneráveis, como os povos indígenas. A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o Ministério da Mulher foram acionados, mas a demora em respostas efetivas até o momento da denúncia pública reforça a necessidade de maior celeridade e transparência.
A Virada Feminina, com sua cobrança pública, tornou-se um símbolo de resistência contra a violência institucional e a impunidade. Como disse Cileide Moussallem, “uma mulher violada dentro de uma delegacia é o grito que não pode mais ser ignorado.” A prisão dos envolvidos é um primeiro passo, mas a sociedade amazonense e brasileira espera que a Justiça vá além: puna os culpados com rigor, repare a vítima de forma digna e transforme as estruturas que permitiram tamanha barbárie. A história dessa mulher indígena é um chamado à ação — um grito que ecoa por justiça, dignidade e mudança.





