Não é mais só a Venezuela: Trump diz que qualquer país que leve drogas para os EUA poderá ser atacado
Mundo – O presidente dos EUA, Donald Trump, disse que qualquer país envolvido na venda de drogas para os Estados Unidos poderá ser atacado, em uma aparente expansão de suas ameaças militares que, de acordo com a Casa Branca, têm como alvo os cartéis do narcotráfico na América Latina. Durante uma longa reunião de Gabinete, marcada pelos elogios de seus subordinados, ele prestou apoio ao secretário da Guerra, Pete Hegseth, acusado de violar condutas militares em um dos mais de 20 bombardeios de barcos acusados de ligação com o tráfico.
Durante as perguntas dos repórteres, já ao final da reunião, Trump voltou a ameaçar expandir a chamada Operação Lança do Sul para alvos terrestres na Venezuela.
— É muito mais fácil, e nós conhecemos os trajetos que eles percorrem. Sabemos tudo sobre eles. Sabemos onde eles moram — afirmou Trump.
Na semana passada, em conversa com militares, ele afirmou que esses ataques poderiam acontecer “muito em breve”, e a declaração unilateral de que o espaço aéreo venezuelano deveria ser considerado “fechado”, no sábado, aumentaram os rumores sobre uma nova fase da operação. Mas nesta terça ele foi além, dizendo que a Venezuela não era seu único alvo em potencial.
— Qualquer um que fabrique isso (drogas) e venda para o nosso país está sujeito a ataques. Não apenas a Venezuela — disse o presidente, que pouco antes havia citado a Colômbia como um dos países produtores de drogas na região, e cujo presidente, Gustavo Petro, tem desferido pesadas críticas à Casa Branca, que o renderam uma inclusão na lista de sanções dos EUA.
A declaração ecoa uma diretiva secreta assinada por Trump em agosto, autorizando o Pentágono a usar força militar contra cartéis latino-americanos designados como organizações terroristas. Analistas veem nisso uma escalada que vai além da luta ao narcotráfico, possivelmente visando regimes como o de Nicolás Maduro na Venezuela e Gustavo Petro na Colômbia, acusados de conivência com o crime organizado.
Nos últimos meses, os EUA incrementaram a presença militar no Caribe, oficialmente em uma missão contra os cartéis do tráfico que atuam na região, chegando aos atuais 15 mil soldados e oficiais, além de aeronaves de combate e navios de guerra, como o porta-aviões USS Gerald Ford, o maior da Marinha americana. Em setembro, os militares começaram a atacar barcos que, de acordo com o Pentágono, eram usados pelos traficantes para transportar drogas, sem jamais apresentar provas para comprovar suas alegações. Ao todo, 21 barcos foram destruídos, deixando 83 mortos.
A Operação Lança do Sul, lançada em novembro sob o comando da Força-Tarefa Conjunta Lança do Sul, utiliza drones e sistemas autônomos para rastrear e neutralizar rotas marítimas de cocaína estimadas em 350 a 500 toneladas anuais vindas da Venezuela. Autoridades americanas alegam que os alvos incluem o “Cartel dos Sóis”, suposta rede ligada ao regime de Maduro, e o Tren de Aragua, gangue venezuelana designada como terrorista em janeiro. No entanto, críticos, incluindo a ONU, classificam os bombardeios como execuções extrajudiciais, violando o direito internacional.
O secretário da Guerra, Pete Hegseth — cargo revivido por ordem executiva de Trump em 2025 para evocar uma era de “guerra total contra ameaças” —, defendeu veementemente a operação durante a reunião. Hegseth, ex-apresentador da Fox News e veterano do Iraque, enfrenta acusações de ordenar um segundo ataque a sobreviventes de um barco bombardeado em setembro, o que senadores democratas e até republicanos chamam de possível crime de guerra.
— Nossas operações no Caribe são legais sob a lei americana e internacional. Todos os alvos foram avaliados por advogados militares — rebateu Hegseth, ignorando relatos de que teria dito a soldados para ignorar regras de engajamento no Iraque. Trump, por sua vez, elogiou o aliado: “Pete está fazendo um trabalho fantástico. Esses ‘funcionários descontentes’ só querem sabotar nossa vitória contra as drogas.”
A controvérsia ganhou fôlego após um vazamento de chats no Signal, onde Hegseth compartilhou planos de ataques no Iêmen horas antes, expondo-o a críticas de espionagem por parte de ex-oficiais de segurança. Apesar disso, Trump vetou discussões internas sobre sua substituição, priorizando a lealdade do secretário.
A retórica de Trump não poupou aliados tradicionais. A Colômbia, principal produtor de cocaína do mundo, foi citada explicitamente. Petro, em entrevista à CNN na semana passada, acusou Washington de usar o pretexto das drogas para roubar petróleo venezuelano: “Eles vêm por mim também — sanções, vistos revogados. É pura política.” Em outubro, Trump atacou Petro no Truth Social, chamando-o de “líder de drogas ilegal” e impondo sanções pessoais, congelando ativos e proibindo viagens.
Reações na América Latina são fragmentadas. Líderes de esquerda, como os do México e Brasil, condenam as ações como “invasão imperialista”, enquanto governos de direita, como Equador e Argentina, apoiam a ofensiva. Maduro, por sua vez, nega laços com o tráfico e acusa os EUA de cobiçar as reservas de petróleo venezuelanas, as maiores do mundo.
Uma contradição notável: durante o feriado de Ação de Graças, Trump anunciou planos de perdoar o ex-presidente hondurenho Juan Orlando Hernández, condenado a 45 anos por traficar 400 toneladas de cocaína para os EUA com apoio a cartéis. Críticos veem nisso uma hipocrisia que mina a credibilidade da campanha antidrogas.
Especialistas alertam que ações terrestres poderiam desencadear um “conflito não internacional” com cartéis, mas sem resolver o problema: redes nos EUA já distribuem drogas em cidades como Los Angeles e Chicago, e rotas aéreas e terrestres da Colômbia persistem. “É mais um show de PR do que uma solução”, diz Jeff Garmany, professor de estudos latino-americanos na Universidade de Melbourne.
O Congresso, em rara união bipartidária, promete supervisão rigorosa, com comitês investigando a legalidade dos ataques. Enquanto isso, o Caribe ferve com a maior presença militar americana desde a invasão do Panamá em 1989, e o mundo observa se as palavras de Trump se tornarão mísseis.
Atualizações: Este texto é baseado em declarações oficiais da Casa Branca, relatos de agências como Reuters, NYT e CNN, e postagens recentes em redes sociais. O Globo monitora o desenrolar dos eventos.


