CEO da Cloudflare criticou monopólios dias antes de sua empresa falhar e derrubar parte da internet
Mundo – Menos de uma semana depois de acusar o Google de abuso de poder e de representar um risco sistêmico para o funcionamento da internet, o CEO da Cloudflare, Matthew Prince, viu sua própria empresa protagonizar uma falha que derrubou parte significativa da web nesta terça-feira, 18. O incidente, que afetou centenas de serviços em diversos países, reacendeu o debate sobre a dependência global de poucas empresas responsáveis por manter a infraestrutura digital funcionando.
Durante o Web Summit, em Lisboa, Prince havia criticado duramente o domínio do Google nas buscas, afirmando que a empresa reduz cada vez mais o tráfego enviado a sites ao priorizar respostas geradas por inteligência artificial. Segundo ele, enquanto no passado o Google entregava um visitante a cada duas páginas rastreadas, hoje esse número caiu para um a cada 20. O executivo também acusou gigantes da IA — como OpenAI e Anthropic — de coletar conteúdo em larga escala sem gerar retorno aos criadores, ameaçando diretamente o modelo de negócios de veículos de mídia e sites que dependem de audiência.
As declarações, contudo, voltaram ao centro das discussões após a queda da Cloudflare. A empresa, considerada uma peça-chave da infraestrutura da web, fornece serviços de segurança, mitigação de ataques, distribuição de conteúdo e sustentação operacional para plataformas globais como Shopify, Canva, Riot Games, Gymrats, Grindr e até o próprio ChatGPT. Uma interrupção desse porte, segundo especialistas, pode custar até US$ 9 mil por minuto em perdas para empresas que dependem de seus serviços.
A ironia não passou despercebida no setor: enquanto Prince criticava a concentração de poder em empresas que controlam conteúdos e acessos, a Cloudflare demonstrava o quanto a própria infraestrutura da internet está igualmente centralizada — e vulnerável. A falha levantou questionamentos sobre a resiliência de um ecossistema onde poucas companhias, embora operem em diferentes camadas da rede, detêm controle suficiente para causar impacto global em caso de instabilidade.
A contradição reforça um ponto comum entre as críticas feitas ao Google e os efeitos da pane da Cloudflare: o risco estrutural de uma internet altamente dependente de intermediários gigantes, sejam eles mecanismos de busca, provedores de IA ou operadores de infraestrutura.
Prince defendeu recentemente que empresas de IA devolvam valor ao ecossistema digital, com remuneração a editores e maior transparência na coleta de dados. Agora, no entanto, ele enfrenta seu próprio paradoxo: ao mesmo tempo em que denuncia a concentração no topo da web, precisa lidar com o fato de que a Cloudflare — embora em outra camada — também representa uma peça central de um sistema cada vez mais frágil e concentrado.


