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Belém supera Manaus e se torna a capital com mais dias de calor extremo do Brasil

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Belém supera Manaus e se torna a capital com mais dias de calor extremo do Brasil

Brasil – Belém ultrapassou Manaus e assumiu um posto preocupante: o de capital brasileira com mais dias de calor extremo registrados no último ano. Foram 212 dias sob temperaturas máximas acima dos padrões históricos, segundo dados do Cemaden, um número que escancara a crise climática e suas consequências diretas na vida da população — principalmente a mais pobre.

A cidade que um dia foi símbolo da floresta que a circunda agora sente na pele a redução da cobertura vegetal e a intensificação das ondas de calor. Entre 1985 e 2023, Belém perdeu cerca de 20% de suas áreas de floresta, o que afeta diretamente o equilíbrio térmico local. “A Amazônia está sendo transformada, e isso impacta Belém. A cidade sempre foi quente, mas agora está muito mais”, explica o meteorologista Everaldo de Souza, da UFPA.

“O calor te degrada muito”: rotina difícil nas periferias

Os efeitos da desigualdade climática aparecem a cada esquina. No bairro do Jurunas, onde a sombra é artigo raro, o jovem Ronald Monteiro, de 15 anos, vive a rotina marcada por um calor que ele descreve como “uma máquina de bater açaí girando na gente”. Ele ajuda o pai no comércio familiar e, ao chegar em casa, tenta descansar — mas o calor impede.

“É insuportável, não tem como dormir. O calor te degrada muito”, diz Ronald, que tem visto até seu desempenho no futebol e na escola ser afetado pela exaustão constante. E não é só o corpo que sente: a própria qualidade do açaí — base da alimentação paraense — também está mudando.

Com chuvas mais concentradas em poucas horas e em épocas inadequadas, o ciclo do açaizeiro se altera. O resultado? Menos produção, preço mais alto e frutos de pior qualidade. Em outubro, o litro do açaí médio chegou a R$ 28, contra R$ 18,40 do ano anterior. Para muita gente, a solução foi pedir o açaí “batido com água” para render mais.

A história que transformou João Victor no “João do Clima”

Enquanto Ronald luta para descansar, outro jovem enfrenta o calor de Belém transformando dor em ativismo. João Victor da Silva, de 16 anos, perdeu a mãe, Lene, para um câncer de pele — doença que ele relaciona à dura rotina diária que ela enfrentava sob o sol forte quando trabalhava em Belém.

“Eu digo que ela faleceu diante das desigualdades sociais e das mudanças climáticas”, afirma. A história da mãe moldou a voz de João, hoje conhecido como “João do Clima” e figura presente em debates ambientais, incluindo a COP30, realizada na capital paraense.

Em São João do Outeiro, bairro onde mora, ele liderou protestos contra descarte ilegal de lixo, organizou mutirões e ajudou a transformar uma área abandonada em praça arborizada, hoje ponto de encontro refrescante para os moradores. “Tudo está interligado: educação ambiental, conscientização e a crise climática”, explica.

Apesar da visibilidade, João lamenta a perda de sua adolescência. A agenda de palestras e reuniões ocupa seus dias. “Eu queria ser mais adolescente e menos ativista, mas neste momento não é possível.”

O alerta dos cientistas

A UFPA levantou um dado alarmante: só entre 2021 e 2024, Belém teve 164 dias com temperaturas acima de 35,5ºC — mais do que os últimos 60 anos somados.

“A hora da entrada e saída escolar coincide com o pico do calor. Crianças e adolescentes são muito vulneráveis”, alerta Everaldo de Souza.

O sono, essencial para o desenvolvimento, também é comprometido. Noites mal dormidas — comuns nas periferias mais quentes — podem gerar problemas físicos e psicológicos a longo prazo.

“Espero que nos escutem”

Enquanto líderes mundiais debatem clima na COP30, a poucos quilômetros de seus bairros, João e Ronald seguem vivendo as consequências mais duras da crise. Para eles, não é teoria, é rotina.

“Dizem que a gente é o futuro do Brasil, então temos que ser ouvidos”, diz Ronald.
João concorda — mas sabe que ainda há um longo caminho.

Belém, mais quente do que nunca, pede socorro. E seus jovens, que deveriam estar sonhando com o futuro, tentam lutar para que ele ainda exista.



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